Ao nascer do sol da manhã de sábado (7), homens armados do grupo radical islâmico Hamas lançaram centenas de foguetes e romperam a fronteira entre Gaza e Israel, acelerando através de terras agrícolas em direção a um festival de música psicodélica que durou toda a noite, até de manhã.
Os agressores que romperam as barricadas na fronteira dirigiram pela Rota 232, abrindo um caminho mortal através das comunidades rurais dos kibutzim. Eles bloquearam a estrada para o festival do norte e do sul, antes de invadirem o amplo local a pé, mostram os vídeos. Depois, os militantes cercaram as multidões em três lados como uma foice, abatendo-as e forçando-as a fugir pelos campos a leste.
O ataque terrorista do grupo radical islâmico à rave não foi apenas muito coordenado, mas concebido para a carnificina máxima, cuja escala e âmbito só agora começam a vir à tona, uma semana depois.
Homens fortemente armados bloquearam quase todas as vias de fuga, encurralando multidões, ao mesmo tempo que visavam abrigos onde as pessoas se escondiam, matando-as em massa, mostra a análise da CNN de mais de 50 vídeos e entrevistas com 13 sobreviventes.
Milhares de israelenses e estrangeiros desceram pelo deserto de Negev, no sul de Israel, para o festival de música, conhecido como Nova, que marca o feriado judaico de Sucot e é considerado um evento que celebra a “unidade e o amor”.
Quando os estrondos dos foguetes soaram por volta das 6h30, poucos notaram devido as fortes batidas eletrônicas. Outros, habituados aos disparos de foguetes vindos de Gaza, deram pouca importância a isso. Mas não muito depois de os organizadores pararem a música e os seguranças conduzirem as pessoas para as saídas, o caos começou.
As decisões que os participantes da festa tomaram em uma fração de segundo foram de vida ou morte.
Muitos dos que pularam em seus carros e dirigiram para abrigos antiaéreos próximos foram recebidos por militantes nas estradas, que atiraram contra eles à queima-roupa e lançaram granadas dentro dos blocos de concreto armado, de acordo com vídeos e depoimentos de testemunhas oculares.
Outros se dispersaram pelo deserto, rastejando sob arbustos e cactos, ou cobrindo-se com areia. Eles disseram que foram incansavelmente caçados durante horas, alvejados com tiros e lançadores de granadas propelidos por foguetes, e assistiram impotentes enquanto pessoas eram mortas ou arrastadas por captores armados.
Desde então, vários participantes da festa feitos reféns pelo Hamas apareceram em vídeos em Gaza.
As pessoas que conseguiram escapar correram pelos campos agrícolas abertos e ao longo dos leitos secos dos rios, enquanto os militantes disparavam contra eles, caminhando vários quilômetros até a segurança das cidades mais distantes da fronteira.
A maioria das testemunhas oculares disseram à CNN que se esconderam durante seis a 10 horas, antes de conseguirem escapar – ou de as autoridades e os serviços de emergência chegarem. Outros disseram que sobreviveram fingindo estar mortos.
Com base em análises de vídeo, depoimentos de testemunhas oculares, imagens de satélite e reportagens de equipes no terreno, a CNN reconstruiu o ataque terrorista, que emergiu como um dos episódios mais mortíferos do ataque sem precedentes e multifacetado do Hamas a Israel por terra, mar e ar.
A CNN identificou pelo menos quatro abrigos antiaéreos na Rota 232 – dois em Re’im, um em Be’eri e um em Alumim – onde dezenas de pessoas foram mortas. Mais de 260 corpos foram encontrados no próprio local do festival Nova, segundo o serviço de resgate israelense Zaka, mas com base na análise da CNN de vários pontos focais do massacre, o número total de mortos pode ser ainda maior.
Local do festival, 6h30
- Gal Bukshpan, de 27 anos, e seus amigos não ficaram surpresos com o lançamento de foguetes tão perto da fronteira e demoraram para sair da festa e voltar para casa. Eles se sentaram perto do estacionamento, fumando cigarros e observando os foguetes cruzarem o céu da manhã.
- Logo ele recebeu um WhatsApp da namorada perguntando se ele estava bem. Ela compartilhou uma foto de agressores do Hamas lutando com a polícia israelense em Sderot, cerca de 22 quilômetros ao norte do local do festival. Depois de algum debate, ele e seus amigos decidiram esperar mais um pouco. Ele disse que acha que essa decisão salvou sua vida.
- “Desde o minuto em que os mísseis chegaram, às 6h30, até por volta das 7h30, houve uma janela de tempo”, disse ele. “Havia uma pequena janela de tempo em que o seu destino e dos seus amigos foram decididos”.
Abrigo antiaéreo em Alumim, 7h10
- Quando a festa terminou, Noam Cohen, um cineasta de 19 anos, entrou no carro com alguns amigos e dirigiu para o norte. Eles estavam na estrada há apenas cerca de seis quilômetros e meio quando ele disse que começaram a ouvir o assobio de balas passando por suas janelas.
- Então, de repente, um grupo de militantes apareceu, vestidos de preto com bandanas verdes usadas por membros do Hamas, e começou a atirar contra eles, disse ele. “Nós retornamos e depois de cerca de 30, 50, 150 metros… vimos um abrigo com um policial do lado de fora com seu carro, com sua arma em punho, dizendo para todos entrarem”, disse Cohen à CNN.
- Cerca de 30 pessoas que estavam amontoadas no pequeno abrigo no cruzamento do kibutz Alumim foram orientadas a permanecer abaixadas, mostram imagens filmadas por Cohen. Minutos depois, houve uma enorme explosão, tiros irromperam e várias granadas foram atiradas pela porta, matando a maioria dos que estavam lá dentro. “Para sobreviver, tive que me cobrir com cadáveres, com partes de corpos”, disse Cohen.
- Ele filmou vários vídeos de si mesmo depois, com sangue cobrindo seu rosto e mostrando a cena horrível lá dentro, que ele compartilhou com a CNN. Os metadados da filmagem confirmaram a hora e o local.
Abrigo antiaéreo em Re’im, 7h39
- Ao sul do local do festival, em Re’im, ocorria uma cena semelhante. Imagens de uma câmera partátil no painel mostraram um carro viajando para o norte na Rota 232. O motorista, cuja identidade não foi confirmada, diminuiu a velocidade ao se deparar com um homem armado parado no meio da rodovia.
- Pelo menos 10 homens armados abriram fogo contra o veículo enquanto ele subia a estrada, com o para-brisa quebrando a cada tiro. O carro bateu em outro veículo, estacionado em frente a um abrigo antiaéreo. Não está claro quem recuperou a filmagem do carro ou a situação do homem que o dirige.
- A CNN não conseguiu verificar se havia algum participante do festival dentro do abrigo, mas os carros estacionados nas ruas ao redor sugerem que as pessoas provavelmente fugiram para lá.
Segundo abrigo em Re’im, 7h55
- Outro vídeo da câmera portátil no painel de um carro filmado cerca de 800 metros ao norte, mais perto do local do festival, mostrou outro ataque semelhante.
- Militantes podiam ser vistos gritando com um homem sem camisa parado do lado de fora de um abrigo, chutando-o enquanto ele se agachava no chão. Então, um deles jogou uma granada na porta do abrigo e um homem saiu correndo, tentando escapar da explosão que se aproximava. Depois que ele saiu do enquadramento, os militantes apontaram suas armas para ele e começaram a atirar. O destino de ambos os homens é desconhecido.
- Uma equipe da CNN visitou na segunda-feira (9) o mesmo abrigo. Eles encontraram seu interior respingado de sangue.
- Espalhados no chão próximo estava uma granada não detonada e o que pareciam ser itens descartados pelos agressores: coletes à prova de balas, contas de oração, um saco de lixo cheio de suprimentos médicos e uma camiseta preta estampada com o emblema das Brigadas Izzedine al-Qassam, o braço militar do movimento islâmico palestino Hamas.
Campos a leste do festival, 8h17
- À medida que os militantes cortavam a estrada para o norte e para o sul, e mais participantes do festival começavam a ouvir relatos da sua violência nas comunidades vizinhas, as pessoas amontoavam-se nos carros e tentavam fugir. Mas um engarrafamento os fez parar.
- Bukshpan e seus amigos avançaram em seu carro por cerca de 40 minutos antes de começarem a ouvir tiros a distância. Ele disse que eles saíram brevemente e se deitaram no chão, enquanto o som das explosões se aproximava.
- A polícia local montou um bloqueio improvisado na Rota 232 e começou a direcionar o tráfego para o leste, em direção a campos abertos, disseram várias testemunhas oculares à CNN. “Depois de 200 a 300 metros, vemos que estamos em uma fila de 300 a 400 carros. Vemos a frente da fila começando a fazer meia-volta”, disse ele.
- Incapazes de discernir de que direção os homens armados se aproximavam, o pânico começou a instalar-se e as pessoas abandonaram os seus carros, correndo através de campos agrícolas abertos a leste, longe de Gaza. Em imagens granuladas de celular que ele compartilhou com a CNN, Bukshpan filmou centenas de pessoas correndo para salvar suas vidas. Em outro vídeo daquele momento, a CNN o identificou com uma camisa branca correndo no meio da multidão.
Bloqueio policial improvisado na Rota 232, 8h30
- A polícia local e a segurança do evento eram as únicas autoridades no local do festival, de acordo com vídeos verificados pela CNN e depoimentos de testemunhas oculares. Vestindo camisetas pretas e armas em punho, eles estavam completamente despreparados para enfrentar o Hamas.
- Ainda assim, tentaram garantir a segurança da entrada do local a norte, bloqueando a estrada com um carro da polícia israelense e vários outros veículos. Agachados, eles responderam ao fogo dos militantes, enquanto os participantes aterrorizados corriam para salvar suas vidas.
- Para corroborar o horário específico do dia em que o vídeo foi filmado, a CNN conduziu uma análise de sombras usando uma ferramenta chamada SunCalc. Outro vídeo filmado mais ou menos na mesma época mostra pessoas correndo de norte a sul ao longo da Rota 232, possivelmente tentando fugir em direção a Be’eri e sendo forçadas a abandonar seus carros.
- Imagens assustadoras de drones mostrando as consequências do ataque, geolocalizadas pela CNN, revelaram dezenas de carros queimados e abandonados ao longo da estrada e da entrada do festival, enquanto árvores próximas foram totalmente queimadas. Imagens de satélite obtidas pela CNN do Planet Labs mostraram terra arrasada em diferentes áreas do festival.
Árvores a oeste do festival, 10h09
- Elizabeth Chimsom Anukwu, 21 anos, e seus amigos estavam esperando em suas tendas para ficarem sóbrios antes de voltarem para casa em Tel Aviv, quando ela disse ter ouvido uma forte explosão. “Ouvimos pessoas gritando, vimos pessoas caindo, estávamos entre estrondos e tiros e ficamos presos”, disse ela à CNN.
- Eles correram para a floresta esparsa a oeste do recinto do festival, tentando se esconder na sombra das tamargueiras, mas ainda quase totalmente expostos, mostram vídeos que Anukwu compartilhou com a CNN. “Esperamos pelas equipes de resgate durante seis horas, mas ninguém apareceu. Achei que ia morrer”, disse ela.
- A filmagem mostra o grupo caído no chão enquanto o tiroteio se aproxima. Então uma bala passa zunindo. Anukwu disse que militantes a cerca de 800 metros de distância avistaram o grupo e apontaram suas armas contra eles; eles pularam e correram.
- Ela compartilhou um mapa com a CNN mostrando a rota de 3 quilômetros que eles seguiram para escapar, ao longo de uma linha de árvores em um semicírculo antes de voltar para a Rota 232. Lá, ela disse que viram um guarda israelense e foram levados com segurança.
Abrigo em Be’eri, por volta das 13h30
- Lee Sasi, 25 anos, foi ao festival Nova com alguns familiares para apoiar seu primo que era DJ. Quando o lançamento dos foguetes começou, eles fugiram para o abrigo antiaéreo mais próximo.
- Sasi disse que havia cerca de 35 a 40 pessoas amontoadas. Militantes do Hamas dispararam armas e lançaram granadas contra o abrigo, matando a grande maioria, disse ela. Entre os mortos estava seu tio.
- “Tivemos que nos enterrar sob esses cadáveres para nos proteger dessas granadas que estavam atingindo, e dos rifles e dos RPG (granadas de propulsão de foguete)”, disse ela, acrescentando que seu primo, que fugiu para um abrigo diferente, também morreu lá.
- Sasi enviou três vídeos que filmou no abrigo, incluindo um clipe perturbador que a mostrava escondida sob os corpos. A CNN localizou geograficamente a estrutura na junção fora de Be’eri, a comunidade mais próxima do local do festival, que também foi atacada pelo Hamas.
- A filmagem mostra as forças israelenses chegando ao local aparentemente sete horas após o início do ataque. “Estou muito grata por estar viva”, podia-se ouvir Sasi dizendo.
Metodologia
Para esta investigação, a CNN examinou mais de 50 vídeos filmados por participantes do festival e transeuntes antes, durante e depois do massacre no festival Nova em Re’im, Israel, em 7 de outubro de 2023. A maioria deles foi obtido diretamente de sobreviventes do festival, enquanto alguns foram coletados de grupos públicos do Telegram, como South First Responders.
Uma equipe de jornalistas com treinamento em código aberto verificou os vídeos, localizando-os geograficamente sempre que possível e verificando os metadados em busca de carimbos de data e hora e coordenadas GPS. Para os que não tinha carimbo de data e hora, fizemos estimativas da hora do dia com base na luz solar, por meio do site SunCalc.
A CNN construiu um mapa com base nesses vídeos verificados para compreender como se desenrolou o ataque, estabelecer o movimento dos militantes do Hamas e as várias formas como os civis foram caçados enquanto tentavam fugir.
A equipe usou uma variedade de serviços de mapeamento para ajudar a localizar os vídeos, incluindo imagens de satélite de um site oficial do governo israelense, Planet Labs, Maxar Technologies, Google Maps e Google Street View. Reportagens de Nic Robertson e Muhammed Darwish, da CNN, no local também foram usadas para corroborar locais e eventos.
A CNN entrevistou 12 sobreviventes do festival, identificando temas que combinavam tanto com os depoimentos quanto com as evidências em vídeo. Uma descoberta importante foi o assassinato sistemático de pessoas que se abrigavam em abrigos antiaéreos próximos. Os vídeos revelaram vários incidentes de sobreviventes fugindo para abrigos antiaéreos e sendo mortos lá.
Fonte: CNN