A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) contratou por R$ 10 milhões a advogada Maria Claudia Bucchianeri, que já atuou como ministra substituta do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e tem ótimo trânsito em cortes superiores em Brasília. O contrato é de janeiro de 2024 e inclui o acompanhamento de 3 causas da CBF na capital federal.
Dos R$ 10 milhões acordados e definidos por Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, Bucchianeri já recebeu R$ 5 milhões à vista (conforme nota fiscal à qual o Poder360 teve acesso). Os outros R$ 5 milhões serão pagos em 10 prestações mensais de R$ 500 mil, neste ano de 2024 (conforme o contrato ao qual o Poder360 também teve acesso).
A contratação de Bucchianeri não inclui uma “cláusula de sucesso” –que estabelece pagamento extra para o advogado só se o cliente for vencedor no processo. Isso é incomum em casos complexos. O pagamento de 50% à vista também é pouco usual no mercado para um valor dessa magnitude. Leia aqui o contrato firmado entre a advogada e a CBF (PDF – 3 MB).
Chama a atenção que, das 3 causas nas quais Bucchianeri vai trabalhar, haja um processo em que a CBF já é praticamente vencedora. O caso é contra a Marfrig, que havia rompido um contrato com a confederação no passado, apresentou recursos e já perdeu no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O caso ainda pode ser levado ao STF (Supremo Tribunal Federal), mas trata-se de uma causa praticamente perdida pela empresa de alimentos que hoje é uma das maiores produtoras de carne bovina do planeta. O dono da Marfrig, Marcos Molina, tem excelentes relações com o ministro decano (mais antigo) do STF, Gilmar Mendes: ambos têm apartamentos no mesmo edifício em Lisboa, em Portugal. Mas o Supremo nesses casos não costuma reverter uma causa comercial já decidida pelo STJ.
O valor a ser pago pela companhia de alimentos à confederação está na casa de R$ 70 milhões, mas será definido na fase de liquidação.
No relatório de referência de 2023, a Marfrig considerou “provável” a chance de derrota na ação e estimou multa de R$ 58,9 milhões. Há estimativas de que o valor total possa chegar a R$ 290 milhões. O julgamento está na fase de análise de embargos, mas o Poder360 consultou especialistas e a chance de reversão da situação é perto de zero.
A Marfrig é representada nesse caso pelo escritório Mudrovitsch Advogados, do Rio de Janeiro e atuação vigorosa em Brasília. O fundador dessa banca, Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, é conhecido por excelentes relações com magistrados de cortes superiores em Brasília. Já prestou serviços para Gilmar Mendes como advogado.
Os outros 2 casos para os quais Bucchianeri foi contratada são causas menores do que a da Marfrig.
Um deles é contra a BRF, que foi questionada pela CBF em 2016 por ter usado elementos imagéticos da seleção brasileira de futebol em suas propagandas (da marca Sadia, na campanha “Meu mascote da sorte”). Não há ainda valor determinado e o caso segue tramitando.
O 3º caso é contra a Coca-Cola. Trata-se de processo de 2001. Envolve o rompimento de um contrato que a empresa de bebidas tinha com a confederação. O valor estipulado para a causa foi de R$ 10 milhões. A Coca-Cola já pagou metade dessa cifra (R$ 5 milhões). Os outros R$ 5 milhões, corrigidos, seriam agora R$ 55,2 milhões. O processo segue em andamento.
Advogados consultados pelo Poder360 disseram que o valor do contrato de Bucchianeri está no quartil superior dos valores pagos nesse mercado. Mas afirmam que não é uma remuneração incomum para bancas de Brasília.
A contratação foi oficializada em 12 de janeiro de 2024. Já foi emitida uma nota fiscal cobrando R$ 5 milhões em 18 de janeiro. Passados mais de 30 dias desde a sua escolha para representar a CBF, a advogada ainda não havia sido incluída formalmente (por meio de procurações) nos processos que atuará no STJ. Também não se reuniu com os advogados que já atuam nas causas. Depois de ter sido contatada pelo Poder360, Bucchianeri juntou as procurações às ações em que vai atuar.
O advogado José Perdiz, que representou a CBF até o fim de 2023 na ação no STJ, diz não ter sido comunicado sobre a mudança do caso para outra banca.
O Poder360 também procurou a CBF e a Marfrig para perguntar se gostariam de se manifestar a respeito do contrato. Ambas decidiram não comentar o caso.
ADVOGADOS E BRASÍLIA
A CBF tem feito grandes investimentos em contratação de advogados. No final de 2023, Ednaldo Rodrigues foi afastado do cargo de presidente da entidade pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Depois de uma batalha jurídica que terminou no STF, acabou recuperando a cadeira em 4 de janeiro de 2024 por decisão do ministro Gilmar Mendes.
Em seu despacho, Mendes sustentou que o retorno de Ednaldo ao comando da CBF era uma medida necessária. Segundo o ministro, o afastamento judicial colocava em risco a capacidade de a CBF inscrever o time de futebol brasileiro no torneio classificatório para as Olimpíadas de Paris, neste ano de 2024. Apesar de tudo estar na esfera privada, o magistrado disse ter visto “risco iminente” porque em poucos dias terminaria o prazo de inscrição da equipe. Ednaldo voltou ao posto e inscreveu a seleção na competição. Mas os jogadores, em campo, acabaram desclassificados.
Para se defender do afastamento do cargo, Ednaldo Rodrigues teve uma ajuda da CBF. Mesmo com ele fora da função, a confederação contratou advogados para tentar recolocá-lo na cadeira. Foi como se um prefeito afastado do mandato tivesse a prefeitura pagando advogados para defendê-lo.
No caso de Ednaldo, a CBF não economizou. Advogados renomados foram contratados com a missão de tentar reverter a decisão da Justiça fluminense. A confederação buscou apoio de 2 escritórios conhecidos por terem amplo trânsito em Brasília: Bottini & Tamasauskas (de Pierpaolo Bottini e Igor Tamasauskas) e Martins Cardozo (do ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo). As duas empresas de advocacia receberam, cada uma, R$ 2,2 milhões.
Ednaldo também tem, ele próprio, relações próximas com o mundo jurídico. Assinou um acordo de cooperação com o IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), empresa privada de ensino fundada por Gilmar Mendes há 25 anos e hoje comandada por Francisco Mendes, filho do ministro, que é diretor-geral da escola.
Em 16 de agosto de 2023, a CBF e o IDP anunciaram uma parceria para gestão e operação da chamada CBF Academy. Essa unidade de negócios da confederação oferece cursos no Brasil e no exterior para quem deseja se profissionalizar no mercado do futebol.
O valor do contrato entre IDP e CBF não foi revelado. Sabe-se que 84% do faturamento dos cursos serão para o IDP e 16% irão para a confederação. A CBF Academy, em seus bons momentos em 2019 (antes da pandemia de covid-19), tinha uma receita na casa de dezenas de milhões de reais por ano.
Fonte: O Poder360