Depois que a primeira fase da reforma tributária for aprovada com as mudanças na tributação sobre o consumo, o que deve ocorrer no Senado até outubro após a aprovação na Câmara dos Deputados, o próximo passo será a votação de um outro texto, agora com uma proposta de alteração na cobrança de impostos sobre a renda. Como o Brasil, que costuma tributar muito mais o consumo, pretende mudar as regras nesse setor, é possível que uma maior carga recaia sobre os rendimentos dos cidadãos. Discute-se criar impostos sobre lucros, dividendos e grandes riquezas, mas aprovar essas medidas requer muitos debates do governo com o Congresso e com o setor produtivo do Brasil.
Até o momento, a reforma tributária prevê a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cashback e alíquotas zeradas para produtos da cesta básica. A alimentação tende a ficar mais barata no futuro, mas é preciso aumentar a arrecadação em outros pontos para equilibrar as contas públicas.
Como o texto da segunda fase da reforma tributária só deverá ser encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional após a aprovação da primeira fase, algumas alterações ainda são uma incógnita, como a criação de novas alíquotas para o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), mas outras já estão praticamente certas como a tributação de lucros e dividendos e a desoneração da folha de pagamentos. Outra mudança deve ser a taxação dos fundos de super-ricos. Todos esses temas ainda estão em discussão.
Outra questão é a atual estrutura de cobrança do Imposto de Renda para Pessoa Física. Neste ano, foram entregues 41,15 milhões de declarações de IR, referentes ao ano exercício de 2022. Segundo cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), a arrecadação proporcionada em 2022 foi de R$ 313,49 bilhões com o IRPF. Quem recebeu até R$ 1.903,98 foi obrigado a declarar para o Leão.
Segundo a Unafisco, a tabela está defasada desde 1996 diante da inflação acumulada no período até 2023. Caso fosse corrigida pelo IPCA, a faixa de isenção pularia para R$ 4,6 mil, retirando cerca de 20 milhões de brasileiros das garras do Leão.
Mas, como abrir mão dessa arrecadação? A correção nesta amplitude não está clara no ambiente do governo federal. Por enquanto, a faixa de isenção vai pular para dois salários mínimos na declaração do ano que vem, tirando cerca de 10 milhões a 13 milhões de contribuintes da base de declaração, o que vai gerar perdas e forçar compensações, que podem vir da tributação de outras fontes, como dividendos de acionistas de empresas, lucros e outros possíveis alvos.
“Vamos começar as discussões internas da Fazenda, vamos apresentar para a área econômica. Vamos fazer o mesmo protocolo que a gente sempre faz para as coisas saírem bem feitas”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Mais alíquotas para o imposto de renda
Atualmente, o salário dos brasileiros é tributado em quatro faixas de renda, com uma alíquota progressiva que vai de 7,5% a 27,5%. A faixa máxima atinge os salários acima de R$ 4.664,68. Os cerca de 13 milhões de cidadãos que ganham até R$ 1.903,98 são isentos, ou seja, não precisam pagar imposto de renda. Veja abaixo as faixas e as alíquotas:
Faixa 1: até R$ 1.903,98: isento
Faixa 2: de R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65: 7,5%
Faixa 3: de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05: 15%
Faixa 4: de R$ 3.751,06 até R$ 4.664,68: 22,5%
Faixa 5: acima de R$ 4.664,68: 27,5%
Em fevereiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou que irá elevar a faixa de isenção do imposto de renda para dois salários mínimos, equivalente a R$ 2.640. Este valor passa a valer na declaração do IR no ano que vem.
O governo federal até já editou a Medida Provisória (MP), que precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional ainda este ano para não perder a validade. “Vamos começar a isentar em R$ 2.640 até chegar em R$ 5 mil de isenção. Tem que chegar, porque foi compromisso meu e vou fazer”, declarou.
Por outro lado, quem ganha salários mais altos pode pagar mais imposto de renda, após a aprovação da próxima fase da reforma tributária. Coordenador da Associação Brasileira de Economistas Pela Democracia (Abed), o economista Paulo Bretas acredita que novas alíquotas do IR podem ser criadas, cobrando um valor maior de quem recebe acima de R$ 4.664,68.
“Hoje o máximo que o brasileiro paga é 27,5%, eu acho que podem ter mais umas duas alíquotas aí, né? Alguma coisa acima de 30%, outra na faixa de 40%. Pode ser. Mas tudo que estou falando são especulações, é algo que será discutido politicamente e o governo tem que fazer conta”, afirma.
Defasagem da tabela do imposto de renda no Brasil
De acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), se a tabela do imposto de renda fosse reajustada em 151,49%, referente à inflação acumulada desde 1996, mais de 20 milhões de brasileiros estariam isentos do IR.
“É uma situação de muita injustiça, principalmente para a classe trabalhadora e a classe média”, critica o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva.
Se houvesse a correção da tabela do IR, o trabalhador que ganha até R$ 4,6 mil por mês pagaria alíquota bem menor: 7,5%. Como não houve correção, esse trabalhador paga a maior alíquota do IR, de 27,5%.
O governo federal arrecada cerca de R$ 400 bilhões por ano com o imposto de renda. Mas segundo cálculos da Unafisco, a correção da tabela do imposto de renda faria com que o país arrecadasse R$ 150 bilhões. Ou seja, os brasileiros pagam R$ 250 bilhões a mais de IR por ano por causa da defasagem da tabela.
“Conforme os anos foram passando, o governo se acomodou em cobrar imposto da classe média e deixou de cobrar dos mais ricos”, afirma Mauro Silva. Para ele, essa distorção só vai acabar quando o país deixar de conceder privilégios tributários a alguns setores da economia.
Folha de pagamentos
O Brasil já adota a desoneração da folha de pagamento das empresas, mas apenas nos 17 setores da economia que mais geram empregos no país. Em vez de pagarem a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos funcionários, estas companhias pagam sobre a receita bruta, numa alíquota que varia de 1% a 4,5%. Mas esta regra acaba no fim de 2023. A reforma tributária pode ampliar essa desoneração.
“É um desejo nacional, pois paga-se muito imposto para contratar pessoas. Acho que a desoneração de folha é algo que deve acontecer. Agora, para isso acontecer, é a regra da soma zero. De onde que o governo vai tirar dinheiro? É do imposto de renda? É da revisão do ITR (imposto sobre a propriedade territorial rural)? É da tributação sobre patrimônio? É do IPVA sobre outros bens além dos automóveis, como aviões particulares e lanchas? Tem que fazer a soma”, afirma o economista Paulo Bretas.
Atualmente, além da contribuição patronal de 20%, os empregadores também têm de recolher um seguro para acidentes de trabalho, o FGTS de 8% (do salário do trabalhador) e contribuições para o salário educação e para o sistema S.
Por outro lado, o empregado contribui com 11% do seu salário. As contribuições de patrões e trabalhadores variam entre 34% e 43%, com exceção das empresas inscritas no Simples Nacional, que pagam menos tributos.
Tributação de lucros e dividendos
Quando a empresa tem lucro, ela distribui parte do valor entre os proprietários e acionistas. Este valor é chamado de dividendo e é depositado direto na conta de todas as pessoas que compraram ações da companhia.
As empresas também podem fazer esta distribuição dos lucros por meio de juros sobre capital próprio (JCP). A diferença é que enquanto os dividendos são isentos de impostos, o investidor que recebe JCP paga 15% de IR.
Uma das justificativas dos especialistas que defendem a isenção de impostos sobre os dividendos é que a empresa já é tributada durante várias fases da produção e seria mais um imposto. Mas muitos economistas são a favor da cobrança.
“Eu acho que a questão dos dividendos passa (na reforma tributária), pois somente três países no mundo não cobram impostos sobre a distribuição de lucros: o Brasil, a Estônia e a Letônia”, afirma Paulo Bretas.
Opinião parecida tem o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva. Mas ele faz algumas ressalvas. “Olha, nós temos que retornar com a cobrança dos lucros e dividendos. Evidentemente, ao fazer isso nós não podemos tirar a competitividade tributária internacional do país. Ou seja, o investidor não pode achar que ao investir no Brasil, o lucro dele será mais tributado do que em outros países. Tem que calibrar isso dando crédito sobre o que já se pagou na pessoa jurídica. Nós nunca devemos comparar a tributação de um país com o outro vendo apenas a alíquota. Temos que ver o total do imposto pago”, explica.
Tributação de fundos de super-ricos
Para aumentar a arrecadação, o governo federal deve propor a tributação dos fundos exclusivos dos super-ricos, que hoje são isentos de impostos. Mas esta proposta deve ser votada até antes da segunda parte da reforma tributária. Um projeto de lei separado deve ser encaminhado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso Nacional já em agosto, após o recesso parlamentar.
Os fundos exclusivos geralmente possuem um único cotista, com investimentos milionários. Isto porque é preciso ter entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões para fazer este tipo de aplicação. Segundo levantamento do Trademap, esses fundos dos super-ricos acumulam hoje um patrimônio de R$ 756 bilhões, 12,3% do total da indústria de fundos.
“Nós precisamos voltar com a tributação dos fundos dos super-ricos. O ministro Fernando Haddad tem falado nisso. É uma injustiça que vem de muito tempo. Quem investe R$ 500 mil em um determinado fundo paga imposto retido na fonte e esses fundos exclusivos de super-ricos não pagam. Então precisa acabar com isso”, afirma o presidente da Unafisco Nacional, Mauro Silva.
Fonte: O Tempo