Um caso de preconceito e discriminação contra membros da etnia Guarasugwe, deflagrados, supostamente, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Freire, em Pimenteiras do Oeste, é alvo de recomendação expedida pelo Ministério Público Federal de Rondônia (MPF/RO).
O documento é assinado pelo procurador da República Leonardo Trevizani Caberlon.
O órgão de fiscalização e controle leva em conta, no procedimento, especialmente o fato de que em reunião realizada em dezembro de 2022, “indígenas da etnia Guarasugwe expuseram que a professora […] Guarasugwe e crianças indígenas estudantes são vítimas de preconceito e discriminação na escola Paulo Freire, no Município de Pimenteiras do Oeste”.
E ainda:
“[…] o teor da reunião realizada no dia 07 de fevereiro de 2023, com o Senhor Wilson José de Albuquerque, Diretor da Escola Paulo Freire, o qual afirmou não ter tomado conhecimento, até a data da reunião, das práticas discriminatórias suportadas pela Professora e crianças indígenas”.
A recomendação solicita ao diretor do educandário e à Secretaria Municipal de Educação de Pimenteiras do Oeste que promovam a conscientização de docentes e alunos da Escola Paulo Freire a respeito da existência e história do Povo Guarasugwe.
Isto, inclusive “para evitar a ocorrência de novos episódios de preconceito e discriminação de alunos e professores indígenas na Escola Paulo Freire”.
O documento não esgota a atuação do MPF/RO sobre o tema e não exclui outras iniciativas eventualmente necessárias com relação aos “entes públicos aqui mencionados, com responsabilidade e competência sobre o tema”.
10 (dez) dias úteis para que a Escola Paulo Freire e a Secretaria Municipal da Saúde de Pimenteiras do Oeste se manifestem perante este órgão ministerial sobre acatamento da presente recomendação, ou as razões para justificar o seu não atendimento.
A escola tem dez dias para responder se irá acatar ou não a recomendação; e outros 30 dias úteis “para
que os entes de manifestem acerca das medidas efetivamente tomadas para o cumprimento desta
recomendação”.
CONFIRA A PORTARIA EXPEDIDA:
RECOMENDAÇÃO N° 1 PRM/JP/2ºOFÍCIO, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2023
Referência: Procedimento n.1.31.001.000022/2023-32 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do
Procurador da República signatário, no exercício das atribuições constitucionais e legais que lhe são
conferidas pelos artigos 127, caput, e 129, incisos II, III e IX da Constituição da República; artigo 5º, incisos I,
III, “b” e “e”, V e VI, e artigo 6º, incisos VII, XIV, “f”, e XX, todos da Lei Complementar nº 75/93; artigo 4º,
inciso IV, e artigo 23, ambos da Resolução CSMPF nº 87/2010, e demais dispositivos pertinentes à espécie;
CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/93, compete ao Ministério Público “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao
respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”;
CONSIDERANDO que a Resolução CNMP n.° 164 de 28 de março de 2017 disciplina a expedição de recomendações pelo Ministério Público brasileiro;
CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público Federal promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas e às minorias étnicas, conforme artigo 6º, inciso VII, alínea “c”; CONSIDERANDO que, dentre as funções acima mencionadas, compreende-se a defesa dos bens e interesses coletivos das comunidades indígenas e minorias étnicas;
CONSIDERANDO que são objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, de acordo com o art. 3º, I, III e IV da Constituição Federal;
CONSIDERANDO o disposto no art. 227 da CRFB/88, que estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança, do adolescente e do jovem e, entre esses direitos, o direito à vida, à saúde, à cultura, à dignidade, ao respeito, devendo ser salvaguardados de todas as formas de negligência;
CONSIDERANDO que compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, consoante as disposições do art. 23, incisos IV, V, IX e X, da Constituição da República;
CONSIDERANDO o direito a uma educação escolar diferenciada para os povos indígenas, assegurado pela Constituição Federal de 1988; pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais; pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU); pela Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007; pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96); pela Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio); e pelo Decreto no 6.861/2009 (Educação Escolar Indígena);
CONSIDERANDO que a Convenção 169, da OIT, de 27 de junho de 1989, após ser aprovada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, adquiriu caráter de norma “supralegal”, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 466343- 1/SP, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, em 03/12/2008.
CONSIDERANDO que o artigo 5º, c, da Convenção 169, da OIT, de 27 de junho de 1989, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, dispõe que “deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos interessados, medidas voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos experimentam ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho”;
CONSIDERANDO que o artigo 3º, 1, da Convenção 169, da OIT, de 27 de junho de 1989, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, dispõe que os povos indígenas “deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação”;
CONSIDERANDO que o artigo 20, 2, da Convenção 169, da OIT, de 27 de junho de 1989, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, dispõe que os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes aos povos indígenas;
CONSIDERANDO que o artigo 12, IX, da Lei …. dispo que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de “promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas”;
CONSIDERANDO que o Ministério Público Federal tem o dever de zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, bem como defender os interesses difusos e coletivos, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias à sua garantia, almejando-se, neste ato, garantir o respeito do direito à educação e de não serem discriminados dos povos indígenas da etnia Guarasugwe, residentes no Município de Pimenteiras do Oeste/RO;
CONSIDERANDO os elementos informativos que instruem o Procedimento n. 1.31.001.000022/2023-32 –
regularidade dos serviços de educação propiciados ao Povo Guarasugwe:
CONSIDERANDO que em reunião realizada em dezembro de 2022, indígenas da etnia Guarasugwe expuseram que a professora […] Guarasugwe e crianças indígenas estudantes são vítimas de preconceito e discriminação na escola Paulo Freire, no Município de Pimenteiras do Oeste.
CONSIDERANDO o teor da reunião realizada no dia 07 de fevereiro de 2023, com o Senhor Wilson José de
Albuquerque, Diretor da Escola Paulo Freire, o qual afirmou não ter tomado conhecimento, até a data da reunião, das práticas discriminatórias suportadas pela Professora e crianças indígenas;
RESOLVE o Ministério Público Federal, com fundamento no art. 6º, inciso XX, da LC nº 75/93, expedir
RECOMENDAÇÃO,
ao Diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Freira e à Secretaria Municipal de Educação
de Pimenteiras do Oeste/RO para que: Promovam a conscientização de docentes e discentes da Escola
Paulo Freire a respeito da existência e história do Povo Guarasugwe, inclusive para evitar a ocorrência de
novos episódios de preconceito e discriminação de alunos e professores indígenas na Escola Paulo Freire;
Esta recomendação não esgota a atuação do Ministério Público Federal sobre o tema e não exclui outras
iniciativas eventualmente necessárias com relação aos entes públicos aqui mencionados, com
responsabilidade e competência sobre o tema. Esta recomendação constitui instrumento hábil a
comunicar a seu destinatário, caso já não fosse de seu conhecimento, o conteúdo nela tratado, o qual não
poderá alegar, em outras instâncias, desconhecimento dos fatos nela abordados, constituindo-o em mora.
Por fim, com fulcro no § 5º do artigo 8º da Lei Complementar 75/93, resta fixado o prazo de 10 (dez) dias
úteis para que a Escola Paulo Freire e a Secretaria Municipal da Saúde de Pimenteiras do Oeste se
manifestem perante este órgão ministerial sobre acatamento da presente recomendação, ou as razões
para justificar o seu não atendimento.
Fixo o prazo de 30 dias úteis para que os entes de manifestem acerca das medidas efetivamente tomadas
para o cumprimento desta recomendação.
Encaminhe-se cópia à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para ciência.
LEONARDO TREVIZANI CABERLON
Procurador da República
Fonte: Folha do sul