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30 anos após morte de Vicente Cañas, Justiça confirma condenação de ex-delegado

Ex-delegado da Polícia Civil do Mato Grosso, Ronaldo Antônio Osmar teve recurso negado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). A corte atendeu orientação do Ministério Público Federal (MPF) e manteve a condenação pelo assassinato do missionário espanhol Vicente Cañas Costa, conhecido como Kiwxí pela comunidade indígena. O crime aconteceu em abril de 1987, na Terra Indígena Enawenê-Nawê, no município de Juína, distante cerca de 730 km de Cuiabá (MT).

O julgamento do recurso pelo TRF1 ocorreu na última semana de fevereiro, com acórdão publicado no dia 6 de março. Somente nesta segunda-feira (13/3) a decisão foi publicizada. Além de arregimentar os executores, orientar a execução e realizar o pagamento pelo crime, o delegado esteve à frente de algumas diligências que buscavam esclarecer a morte de Vicente Cañas.

De acordo com o MPF, os autos do processo e testemunhos indicam que Cañas já vivia na região de Juína há mais de dez anos quando foi assassinado. Ele constantemente denunciava a presença de fazendeiros e madeireiros nas áreas dos povos indígenas que viviam no noroeste do Mato Grosso. Além disso, ele era integrante do grupo de trabalho da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que atuava nos estudos de demarcação do território dos Enawenê-Nawê.

Ronaldo chegou a ser absolvido pelo Tribunal do Júri do Mato Grosso em 2006, mas o MPF recorreu da decisão e, em 2015, o TRF1 anulou o júri por considerar a decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Dessa forma, foi determinada a realização de um novo julgamento.

Em 2018, o ex-delegado foi submetido a novo Tribunal do Júri e condenado a mais de 14 anos de prisão em regime inicial fechado. O trâmite até a condenação levou mais de 30 anos e apresentou diversos entraves. Além da dificuldade da coleta de provas pelo tempo decorrido, as principais testemunhas não queriam mais falar do assunto.

Segundo o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi, que atuou no caso, os indígenas já tinham prestado inúmeros depoimentos e queriam encerrar o caso. “Foi necessário um trabalho intenso de convencimento para tranquilizá-los, assegurando que seria a última vez”, recorda.

Na ocasião, o MPF convocou um antropólogo para testemunhar em plenário, cujo depoimento foi considerado fundamental para desfazer a tese da defesa de que o missionário teria sido assassinado pelos próprios indígenas. Conhecedor da cultura Enawenê-Nawê, o pesquisador explicou aos jurados que Vicente Cañas havia sido batizado pelos indígenas, e, por isso, nunca seria assassinado por um “irmão”.

Mais sobre Vicente Cañas

Vicente Cañas viveu parte de sua vida como um Enawenê-Nawê, sendo o único branco a se ter notícia de que foi batizado por eles. Isso faz com que o corpo do espanhol siga como objeto de disputa: o crânio da vítima permanece até hoje vinculado ao processo, como prova do crime. Para os Enawenê-Nawê, enquanto todo o corpo não é submetido ao funeral, o espírito não descansa.

Dessa forma, espera-se que a confirmação da condenação em segunda instância faça com que o crânio seja liberado e levado ao território Enawene, com a concordância dos familiares espanhóis do Vicente, onde será sepultado com o restante do corpo.

O assassinato

O trabalho de Vicente gerava conflito com os interesses de fazendeiros e madeireiros da região. Diante disso, eram comuns os relatos de ameaças de morte dirigidas ao missionário espanhol e a outros voluntários que o ajudavam.

Em abril de 1987, enquanto se preparava para voltar à aldeia dos Enawenê-Nawê (chamada, na época, de Salumã), Cañas foi surpreendido pelos assassinos, que o atacaram quando ele voltava do rio, onde estava tomando banho. Em seu barraco, nas margens do Rio Juruena, o missionário foi agredido, morto e deixado ali, caído no chão, sem roupas.

Seu corpo foi encontrado mumificado pela própria natureza cerca de 40 dias depois por indígenas e missionários, entre os quais o Padre Thomaz de Aquino Lisboa, que na década de 1970, junto com Vicente Cañas, tinha feito os primeiros contatos com os índios Enawenê-Nawê. A perícia constatou sinais de violência no local e um orifício na barriga da vítima aparentemente causado por arma branca, como faca e punhal.

 

Fonte: Metrópoles

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